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SÃO JOÃO 1998
Como manda a tradição, o Rancho da Praça preparou-se para, homenageando todas as gerações de pracistas, apresentar-se nas Festas de São João de 1998. Na noite de 24 de Maio, nas traseiras da Igreja Matriz e virados para o Convento de Santa Clara, juntaram-se algumas centenas de pessoas para cantar dançar e entoar as quadras tradicionais ao Santo. Findo este ritual, as pessoas vão atrás do carro com a amplificação sonora, descendo e subindo a Rua 25 de Abril para de seguida se dirigirem até à sede. Esta tradição que de ano para ano mobiliza mais pessoas, é o arranque para as Festas de São.
Na noite de 17 de Junho, a faltar oito dias, a tradição repete-se, talvez com mais entusiasmo, dado que, a grande noite, a Noite de São João e o dia 24 com a ida à praia estão mesmo aí. Os corações fervilham e sente-se no ar alguma ansiedade e frenesim para saber o que os Ranchos vão apresentar nesse ano, muito embora a “espionagem” de cada um dos lados há muito venha a trabalhar. Incompreensivelmente não percebemos porque é que a Comissão de Festas não inclui estas datas no programa das festas, dado que, essencialmente a mística das festas assenta na tradição vilacondense de festejar o Santo Padroeiro, corporizada nos dois Ranchos rivais. Apesar de os dias em Junho serem grandes, a verdade é que, em cada dia que passa, aumentam as preocupações para todas as pessoas que participam, dirigem e trabalham.Os participantes na Marcha Luminosa da Noite de São João, há muito começaram os seus ensaios quer das danças no pavilhão, quer da coreografia da “marcha”. Neste ano o Rancho da Praça apresentou 5 ranchos constituídos por rapazes e raparigas de diferentes idades, desde o rancho infantil ao das velhas guardas, fazendo ensaios diários.
As pessoas que trabalham na preparação dos carros alegóricos que vão participar na Marcha Luminosa quase não conhecem o descanso, assim como as que fazem a cascata e os arcos. Os dirigentes têm que repartir-se pelos ensaios, participando para que na grande noite tudo saia a contento de todos, ajudando nos carros, na confecção da cascata e na preparação dos arcos e balões, sincronizando todas as actividades e pessoas, procurando não descurar nenhum pormenor. 19 de Junho, logo pela manhã, a convite da Comissão de Festas algumas raparigas do rancho Actual oferecem cravos às pessoas na Feira de São João. Há noite, na Praça de São João mais de uma dezena de homens começa a montar a cascata, de ano para ano cada vez mais mecanizada, processo que demora toda a noite.
21 de Junho, participação dos ranchos Infantil e Adulto no Cortejo de São João, este ano foi o Rancho da Praça a fechar. 23 de Junho, eis que chega a grande noite. Durante o dia a azáfama é grande. Dão-se os últimos preparativos nos carros e nos arcos. Enfeita-se o pavilhão sempre à última hora dado que, apesar de toda a insistência, os responsáveis pela sua montagem apenas o deixam pronto apenas umas escassas horas antes da “festa”. Transportam-se os carros alegóricos e os arcos para o local do início da Marcha Luminosa.
Neste ano foi quebrada uma tradição de muitos anos, dado que, o Rancho da Praça abriu a Marcha Luminosa do São João/98. Aliás, uma tradição que fazia com que o Povo da Praça fosse gozado pelo rancho do Monte. Nesse “gozo” não havia respeito por ninguém. Todos nos lembramos que o Monte todos os anos saía à frente na “marcha”. Durante o percurso “queimavam tempo” de tal maneira que, chegar desde a Capitania até à Praça de São João levava quase duas horas. Com isso as pessoas que se perfilavam nas ruas para ver as marchas exasperavam pela espera, a Praça não brilhava porque “eles” paravam durante muito tempo e, pouco depois de chegados aos respectivos pavilhões, as pessoas iam ver o fogo de artifício no rio, ficando apenas a ver os ranchos os simpatizantes mais “ferrenhos”.
Nas reuniões da Comissão de Festas todos os anos levantávamos a questão tendo em conta não só o interesse do Rancho da Praça mas também o interesse das próprias festas. No entanto as nossas preocupações na prática não tinham eco, pois há muito “estava institucionalizado” que os senhores do Monte podiam fazer o que lhes apetecesse que ninguém os chamaria à atenção. No entanto, apesar de o “gozo” citado ter muita influência na tal quebra da tradição, esse não foi o motivo principal de o Rancho da Praça ter saído este ano em primeiro lugar na Marcha Luminosa. O problema vem de há dois anos atrás.
Desde que a Comissão de Festas deliberou que o local de início da Marcha Luminosa era a Av. Sacadura Cabral para alargar o trajecto das “marchas”, tendo em conta o muito público que todos os anos se desloca a Vila do Conde, ficou combinado que o rancho do Monte se organizaria entre a Capitania e a Rua Estevão Soares e, o Rancho da Praça daí até à Casa do Judeu. Em 1996, o Monte formou a partir da Estevão Soares até Casa do Judeu, local designado para a Praça formar, e nós não tivemos outra opção senão formar na Rua das Sete Garagens. No entanto, verificamos que esta opção não era correcta dado que, por causa da curva junto à casa Minhavas, a Praça só conseguiu estar completamente formada em marcha quando os primeiros pares estavam a chegar ao cruzamento do Círculo Católico, e com isto, milhares de pessoas deixaram de ver o Rancho da Praça na sua plenitude.
Em 1997 o Monte repete a graça. Colocou durante a tarde os carros alegóricos precisamente no local do ano anterior. De imediato fomos à Câmara falar com o Sr. Presidente da Comissão de Festas. Pediu-nos compreensão para esse ano pois era complexo demove-los em cima do acontecimento, com a promessa de que no ano seguinte isto não se repetiria. Nessa hora ficou a nossa promessa de que se a graça se repetisse no ano seguinte, o Rancho da Praça não ficaria impassível e sairia na frente em 1998, às dezoito horas da tarde, altura de começarmos a transportar os carros alegóricos para o local de início da Marcha Luminosa, verificamos que o Monte se instalou no local do ano anterior cortando literalmente a passagem naquela artéria. Como já havíamos prometido no ano anterior perante o responsável da Comissão de Festas, colocamos os nossos carros e os arcos e balões junto à Capitania.
Às 22:30 horas, já o Rancho da Praça começava a organizar a Marcha Luminosa de São João 1998 para que à hora marcada – 23 horas, a mesma tivesse início. Ficamos muito admirados e perplexos, embora não surpreendidos, quando a faltar 15 minutos para as 23 horas, alguns, apenas alguns elementos ligados ao rancho Monte, entre eles os seus principais dirigentes, vêm agredir os nossos componentes e tentar destruir um dos nossos carros alegóricos que fechava a marcha, a caravela, pondo em pânico as crianças que estavam em cima desse carro como figurantes.
Como dissemos não ficamos surpreendidos dado que conhecemos as pessoas. Apenas houve uma pequena batalha campal com algumas escaramuças que poderia ter consequências muito graves se todas as pessoas que integravam as duas Associações começassem a lutar entre si. Felizmente o Rancho do Monte tem muitas pessoas que se sabem comportar como tal, e que tal como nós apenas vê nisto uma maneira de continuar a tradição, divertir-se fazendo aquilo que gosta, e ao mesmo tempo, engrandecer Vila do Conde tornando-a um polo de atracção. Infelizmente ainda não vimos sequer os responsáveis por aqueles actos de vandalismo serem chamados à razão. Salvo o “acidente de percurso” que acabamos de relatar que não chegou para retirar a alegria e o entusiasmo, o calor e a voz das Gentes da Praça, o Rancho da Praça lá seguiu a sua marcha triunfante avenida acima até à Praça de São João, sempre debaixo do incitamento e aplausos de alegria de quantos estavam a ver as “marchas”.
A abrir um carro com música com o emblema do Rancho da Praça – a almofada, logo seguido pelo carro que simbolizava e homenageava o 25º Aniversário da Geminação Vila do Conde – Ferrol, pelos ranchos Infantil e Velhas Guardas e por muitos e muitas Pracistas que trajados à tricana, como manda a tradição, quiseram integrar-se na Marcha Luminosa. Logo atrás, vinha um carro com música, com o brasão de Vila do Conde, os 2 ranchos adultos compostos por componentes que dançaram entre os anos 70 e 90, e a finalizar o rancho Adulto e o carro da caravela simbolizando a epopeia marítima portuguesa, o facto de nessa época terem saído de Vila do Conde algumas caravelas e, os 500 anos da descoberta do caminho marítimo para a Índia. Toda esta “marcha” era movimento, alegria, cor e entusiasmo, cativando as pessoas que estavam na rua para apreciar as marchas. Quando o Rancho da Praça ia a desfilar frente à tribuna, onde para além das autoridades locais estavam também as autoridades ferrolanas, ouviu-se a segunda grande ovação da noite pois quer o Sr. Alcalde do Ferrol quer os seus Vereadores puseram-se de pé ao ver o carro alegórico alusivo à geminação com aquela cidade.
A actuação no pavilhão foi extraordinária de entrega de todos os que quiseram integrar os 5 ranchos a dançar e daqueles que se deslocaram à Praça de São João para apreciar e aplaudir. Os ranchos cantaram e dançaram e o povo aplaudia. Milhares de pessoas cantaram o Hino da Praça – A Canção da Rendilheira e deram muitos “vivas à Praça”. Eram cerca de 3 horas da madrugada quando o Rancho da Praça acabou a sua exibição. O fogo de artifício já tinha terminado. As pessoas estavam exaustas e roucas, mas felizes. No final, todos os componentes foram para a sede comer uma “cabritada” com arroz de forno, retomando assim uma tradição que já estava perdida. Era já manhã quando todos foram para suas casas descansar um pouco, pois daí a poucas horas a festa continuava. São 17 horas do dia 24, perante milhares de fiéis que se acotovelavam nas ruas para a ver passar, a Procissão de São João sai da Igreja Matriz. Integravam-na centenas de figurantes, os três Santos Populares, o pálio, as autoridades vilacondenses e ferrolanas, os estandandartes das Associações locais onde se incluía uma grande representação dos 5 ranchos que a Praça apresentou na noite anterior, a Banda e muitos devotos, sempre dentro do respeito que um acto destes impõe.
Cerca das 21:30 horas, tudo está a postos para a Ida à Praia. O Rancho da Praça tem os seus carros alegóricos que haviam integrado a “marcha luminosa” da noite anterior, a difundir as “marchas” na Rua da Misericórdia junto à Casa Germana. Começam a estralejar alguns foguetes. O povo vai chegando. Comenta-se em grupos os acontecimentos da véspera. De vez em quando dirigem-se olhares para o início da Rua 25 de Abril para ver se “eles” já saíram. O tempo corre interminável e a excitação vai crescendo. Passa pouco das 22 horas e no início da rua já “eles” de avistam. Vêm lentos, descompassados e cabisbaixos. Ganham algum ânimo ao passar no “Senhor da Cruz” perante as forças vivas da Praça, para logo depois se perfilarem junto aos passeios para ver passar a Praça em todo o seu esplendor.
Entretanto, mal “eles” se avistam, o povo toma posições. O Largo dos Artistas fica muito pequeno e apertado, apenas ficando um “pequeno carreiro para as cabras” passar. Os carros da Praça tomam posição lado a lado e o barulho é ensurdecedor. “Eles”, coitados, têm que avançar sempre na mesma marcha lenta até à praia e voltar. Mal “eles” passam, a Praça começa a organizar-se para a sua Ida à Praia, essa tradição ímpar que mobiliza tanta gente e que ninguém consegue explicar qual a força interior que faz com que as pessoas participem tão alegremente cantando e dançando durante o percurso. Chegados à praia, desliga-se a música gravada e entoam-se os cânticos a São João. Como habitualmente a Desterro Maró lança as quadras e o povo responde. Findo este ritual, recomeça-se com o mesmo entusiasmo o regresso ao centro da cidade.
É importante dizer-se que de ano para ano são cada vez mais as pessoas que integram a “ida à praia” do Rancho da Praça. São vários milhares, o que constitui grande admiração não só dos muitos forasteiros que visitam Vila do Conde para apreciar este acontecimento. Por tudo isto e enquanto o povo da Praça quiser, o Rancho da Praça terá que ser sempre uma Associação a ter em conta dado o seu potencial e a maneira como está implantado na comunidade. Só não vê quem não quer ver. A Praça está cada vez mais viva. VIVA A PRAÇA.
Carlos Marcelino